domingo, 22 de março de 2009

Retiro na cidade- 22 de Março

Foto de João Santiago em Olhares

Um sopro de liberdade


A Palavra de Deus

13Irmãos, de facto, foi para a liberdade que vós fostes chamados. Só que não deveis deixar que essa liberdade se torne numa ocasião para os vossos apetites carnais. Pelo contrário: pelo amor, fazei-vos servos uns dos outros. 14É que toda a Lei se cumpre plenamente nesta única palavra:
Ama o teu próximo como a ti mesmo.

Carta de S. Paulo ao Gálatas, Cap5, 13-14 (Bíblia dos Capuchinhos)

A meditação

Nas suas cartas dirigidas aos primeiros cristãos, S. Paulo convida regularmente os seus auditores à liberdade. Pede-lhes que sejam filhos e não escravos, opondo a liberdade da vida cristã à servidão da Lei.

Com efeito, a antiga religião consistia principalmente em seguir-se todos os mandamentos, estritamente, sem questioná-los. Desde então, os cristãos, não deveriam desembaraçar-se de todas as leis e rituais? É necessário seguir as tradições, já que Jesus parece ter-nos libertado dos constrangimentos de uma lei demasiado rígida?

Poderíamos pensar que a liberdade consiste, para todo o ser humano, em poder fazer o que quer. Se o homem é livre, não deve ser submisso a uma lei, mesmo que ela seja boa! Ele deve ser capaz de escolher ele mesmo, com a sua inteligência e o seu coração, para fazer boas escolhas.
E além disso, é verdade que Deus correu este risco quando criou o ser humano: preferiu fazer de nós seres livres, em vez de máquinas que funcionam perfeitamente “redondas” Ao criar o homem à sua imagem, Deus fez a aposta de o deixar livre de conduzir a sua própria vida. Mas isso não quer dizer que o homem seja capaz de decidir ele próprio o que é bem e mal. Se o homem é uma imagem de Deus, isso significa que pode fazer o bem, como Deus, quer dizer dar a vida, participar na criação, que é boa. Deus é aquele que não faz mal.

Mas, quando eu fizer um mau uso da minha liberdade, eu tenho consciência de não estar de acordo com o que eu desejo no mais profundo de mim mesmo: a minha vida deixa de estar em paz, os meus laços com as pessoas que me rodeiam tornam-se conflituosos, complicados, desconfiados.

Finalmente, eu chego a desconfiar também de mim próprio, e mesmo de Deus. Já que Deus é «Todo poderoso», porque não me impediu ele de fazer ou sofrer o mal? Porque me deixou livre, se é para me confrontar com o fracasso?
Sabemos todos que não há resposta satisfatória à pergunta «porque sofro?» É particularmente verdade quando me sinto inocente, ou atingido por um mal de uma forma desmesurada ou sem razão. Mas misteriosamente, mesmo face ao sofrimento presente no mundo, nós sabemos que permanecemos livres, que dizer capazes de fazermos um bom uso da nossa liberdade.
Enquanto homem, eu continuo capaz do amor em toda as situações da minha vida; eu posso sempre ser renovado à imagem de Deus. Apesar do mal, e para além do mal, a fé empurra-me a esperar uma vida nova, o surgimento de um Bem muito maior. Mas então coloca-se uma questão: como posso atingir o bem, sendo verdadeiramente livre? Poderei ser libertado do mal, sem ser simplesmente submetido à Lei, dócil ou resignado?

A confiança em Deus é uma certeza sobre a qual posso fundar toda a minha vida: Deus não me abandonará! Se Deus me criou livre, e me deu o desejo de ser «perfeito como ele próprio é perfeito», é porque ele me ama como um pai, e me dá os meios de crescer em liberdade. Os mandamentos que ele propõe não são portanto um constrangimento ou um fardo. Porque que pai deixaria o seu filho fazer o que quer, sem lhe dar conselhos, sem o proteger contra os perigos? Assim as leis e a tradição, transmitida pela experiência aos homens, dão-me pistas e hábitos para procurar o que está bem e é bom, e evitar o mal.

No entanto, toda a criança, deve tornar-se adulto. O que Deus me faz desejar, não é contentar-me em seguir uma lei, mas a possibilidade de entrar na minha própria vida, partilhar o seu sopro, a sua respiração. Como numa relação de amizade, gratuita e desinteressada, esqueço-me um pouco de mim próprio, e a minha única alegria é de estar com ele. Amar Deus é amar viver com ele e como ele.

Ora a vida de Deus, é estar eternamente virado para os outros, como um pai que não vive senão para os seus filhos. É por isso que o amor de Deus não pode ser um olhar para dentro mas estar disponível para os outros.
Sou, então, verdadeiramente livre quando liberto dos meus pequenos desejos, posso viver segundo o meu maior desejo : entrar na intimidade de Deus, cuja vida consiste em dar vida aos outros. Por isso, não posso satisfazer-me em cumprir estes deveres, mas o amor de Deus e dos homens compromete toda a minha vida. Partilho a sede de Deus, que deseja simplesmente dar a vida, livremente, por amor; e a minha vida torna-se ela mesma fonte de vida, não somente para mim, mas para todos os irmãos que eu encontro.


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