DESABAFOS DE UM PADRE DE ALDEIA
DESABAFOS DE UM PADRE DE ALDEIA
Não sou Dr., nem Cónego nem Monsenhor, sou um simples padre de aldeia, padre inexperiente e novo, que nesta Quinzena das Vocações decidiu partilhar convosco alguns pensamentos desorganizados...
Já há muito tempo que se vem chorando a crescente “crise” nas vocações consagradas; choram os leigos e chora a hierarquia. No entanto, não estamos interessados em analisar as verdadeiras causas desta carência nem em dar remédio a essa carência. Deixou Deus de chamar? De certo que não!!... Por isso, nem gosto muito do termo “crise nas vocações consagradas”, prefiro antes “crise dentro da família”.
Diz o nosso povo na sua sabedoria que “ninguém ama o que não conhece”. Como podem os jovens amar um Deus que desconhecem por completo? Como pode uma criança sonhar ser o rosto vivo do Bom Pastor se os seus pais e familiares não lhe mostram esse rosto? Qual é a família da nossa ilha ( mesmo crente e praticante) que tem coragem de dizer como São João Bosco dizia: “O maior dom que Deus pode dar a uma família é dar-lhe um filho sacerdote.”
Nunca se rezou tão pouco, nunca se falou tão pouco de Deus nas nossas famílias, nunca se deu tão pouca importância à Eucaristia em família, como no nosso tempo...
Os padres e as religiosas não caem do Céu, nascem no seio de famílias que tentam ser cristãs (famílias cristãs a sério, onde o padre é um irmão entre irmãos). Se há poucos padres é porque estão a faltar na Igreja famílias desse calibre.
Um dia sonhei ser padre... porque me ensinaram que o padre é: um homem, que sendo baptizado procura configurar a sua vida à imagem do Bom Pastor e, principalmente, com a Boa Nova (Evangelho). Procura ser na sua comunidade “homem de Deus, homem dos homens, homem de oração, homem de esperança, homem da inquietação, homem da gratuidade.” A sua realização está em conseguir viver todos esses aspectos, o que se torna muito dificil nos dias que correm: Homem de Deus num mundo cada vez mais ateu e indiferente, em comunidades onde as Eucaristias são cada vez menos frequentadas, em comunidades onde a maioria das acções que se realizam tem muito pouco de evangélicas e muito de religiosas; Homem dos Homens, em comunidades em que o padre por vezes sente-se mais como um peso do que como um irmão entre irmãos. Homem de oração, em comunidades em que o padre só é bom se promove muitas iniciativas (restauros, pinturas, consolidaçãos dos templos) e acções pastorais e burocratas. E poderíamos continuar...
Muitos padres abandonam o sacerdócio porque acabam por estar suspensos entre a terra e o céu. Os padres são Homens! Em vez de julgar pensemos nas suas dores: tremenda e profunda solidão misturada com a falta de reconhecimento das comunidades a quem doam sua vida. Como pode o padre amar se não se sente amado? Uma vez, era eu padre novo, disseram-se: “o Sr. Padre é que precisa disso para viver, nós não...” Senti-me imensamente mal... Não será este o pensamento de muitos Cristãos? Por isso, fazer choradeira dizendo que há falta de padres? Não! Eu digo que é um milagre ainda haver padres e religiosas, isto sim!
Não quero ser pessimista: eu sou padre e tudo o que aqui partilhei tenho sentido na pele desde o dia em que fui ordenado: abandono e tremenda solidão, não só por parte dos leigos mas também por parte dos colegas. A Igreja precisa de mudar, “dar respostas novas a problemas novos”! Acusam-nos, e têm razão muitas vezes, de dar respostas velhas aos problemas novos do nosso tempo.
Termino com um pensamento que li num cartaz em Roma:
“OS PADRES AJUDAM MUITA GENTE. AJUDA TU TAMBÉM O TEU PÁROCO!”