quarta-feira, 26 de março de 2008

Quando a última palavra não é de morte, mas de ressurreição!



Padre Cipriano Pacheco- Vigário Episcopal em S. Miguel, Açores


Quando a última palavra não é de morte, mas de ressurreição!




O que a celebração da Páscoa nos revela, no caso de Jesus, é que a última palavra, realmente definitiva, pronunciada por Deus sobre a história humana, não é uma palavra que pertence à morte, mas uma palavra de Ressurreição.Ao ressuscitar o crucificado Jesus, Deus como que autentifica os caminhos seguidos por Jesus no exercício da sua missão. Ao ressuscitá-lo, Deus atesta que esteve ao seu lado até ao fim. É a identificação de Deus com os ideais e caminhos trilhados por Jesus.Deste modo, a ressurreição, como palavra última do Deus de Jesus sobre a existência humana, torna-se horizonte de sentido para a vida de todo o ser humano. É que, tratando-se de um Deus-Amor, só deseja a vida – não uma qualquer – mas uma “vida em abundância” para todo o crente.Por alguma razão, mais do que perder-se em explicações sobre como é isso de ressurreição, as narrativas evangélicas têm como objectivo atestar a verdade da identidade pessoal entre o crucificado e o ressuscitado. Este, sendo portador de um novo modo de existência, nem por isso é um fantasma. O Jesus ressuscitado é o mesmo que percorreu os caminhos da Palestina dando testemunho de um Deus capaz de tudo pela vida dos humanos. Neste sentido, se entende a afirmação do apóstolo S. Paulo quando diz que “se Cristo não ressuscitou é vã a nossa fé”, pois que, nesse caso, a própria mensagem evangélica ficaria reduzida à categoria de “preceitos humanos”. Na perspectiva paulina, a ressurreição de Jesus é algo que se situa ao nível dos fundamentos da fé cristã. Nela, a humanidade tem a porta aberta para um modo outro ou diferente de viver plenamente com Deus.Assim sendo, a questão que se levanta para os cristãos de todos os tempos é a de saber como viver o quotidiano da sua história pessoal, no tempo em que ainda não tiverem feito a passagem definitiva para uma tal forma de existência própria de seres plenamente ressuscitados à semelhança de Jesus. Segundo o apóstolo Paulo, trata-se de procurar uma conduta humana inspirada no mesmo espírito que habitou Jesus. Para o efeito, apenas se exige da parte dos crentes a abertura ou acolhimento indispensáveis que permitam, no dizer do apóstolo, que o Espírito que animou Jesus seja “derramado em nosso corações”.Traduzindo em termos mais concretos, para começar a viver já uma vida humana marcada pela ressurreição de Jesus, talvez um bom caminho pudesse ser o indicado pelo profeta Miqueias, que reduz ao essencial uma conduta autenticamente cristã, a saber: “Praticar a justiça, amar com ternura e caminhar humildemente com Deus na história”. Neste caminho, a ressurreição de Jesus introduz, em especial, a alegria e a esperança.


In Jornal Diário- online
2008-03-24 04:29:00

Caíu-lhe em cima a maldição da cruz!



Tomo a liberdade de transcrever crónicas editadas pelo Jornal Diário on-line dos Açores



Cipriano Pacheco



Caíu-lhe em cima a maldição da cruz!



O autor do quarto evangelho diz que Jesus “veio para o que era seu”, mas, ao contrário do que seria de esperar, “os seus não o receberam”.Que assim foi, aí está o próximo Domingo de Ramos com as celebrações da Semana Santa, a fazerem a memória do acontecido. Na verdade, Jesus acaba condenado e crucificado na condição de um “maldito”, nos termos da religião do seu tempo. É caso para perguntar: - O que esperavam “os seus” para não o receberem?É que, pelos vistos, “o que veio” não era aquele que eles esperavam. Sabe-se que esperavam “o Messias”, mas, tudo leva a crer que “o que veio” não correspondia ao perfil messiânico que “os seus” tinham nas suas cabeças.Ao que parece, esperavam um Messias ao jeito dos poderosos do mundo, como Alguém que se impusesse pela força, cavalgando os trilhos do poder, qual espécie de monarca com trono e tudo, incluíndo exército às suas ordens para se defender. Afinal, deparam-se com uma figura humana despojada, apenas com a força da sua palavra e dos seus gestos, a força da Verdade contra as imposições dos que se apoderaram da Lei de Moisés para impor o seu poder.Se calhar, esperavam um Messias implacável, duro de coração, muito determinado, como agora se diz, a impor os seus caminhos contra tudo e contra todos. No entanto, confrontam-se com alguém para quem a fidelidade não se opõe a liberdade. Alguém capaz de ternura, compaixão e misericórdia sem medida.Fica-se com a impressão de que esperavam um Messias absolutamente separado do mundo dos impuros, dos pecadores, alguém intocável, completamente isento de impurezas rituais, imperturbável e insensível. Mas, o que vêem em Jesus é alguém que se cruza nos caminhos da Palestina com toda a espécie de gente, desde cumpridores rigoristas da Lei até pecadores e pecadoras, a quem convida e com quem se senta à mesa, libertando os que se lhe apresentam abatidos ou oprimidos, deixando-se tocar pelos que lhe suplicam, sejam judeus ou pagãos.Se, na verdade, esperavam um Messias que viesse legitimar a superioridade e a imposição aos outros povos do particularismo judaico, bem como a supremacia religiosa bem expressa no culto centrado no Templo de Jerusalém, enganaram-se. O que vêem Jesus advogar é um Templo que seja “casa de oração para todos os povos”. Vêem que Jesus fala de um Deus diferente e novo, para o qual “amar a Deus acima de tudo e ao próximo como a si mesmo, vale mais que todos os holocaustos e sacrifícios”. E, como se não bastasse, leva à relativização do Templo ao ponto de dizer que os “adoradores que o Pai deseja” são aqueles que “o adoram em espírito e verdade”.Como se pode ver, Jesus com um tal perfil de Messias não podia acabar senão na cruz.

sábado, 22 de março de 2008

Ressuscitou!


quinta-feira, 6 de março de 2008

Sobre o Inferno- Daniel de Sá


Sobre o Inferno(Que diria o padre António Vieira a respeito das declarações de Bento XVI acerca do Inferno e das reacções que se geraram por causa delas? Talvez algo não muito diferente do que aqui se diz, embora mais bem dito, sem dúvida alguma.)



“Ecce Agnus Dei, ecce qui tollit peccatum mundi.” Assim S. João Baptista apresentou Cristo aos penitentes que acudiam ao baptismo a pedir perdão das suas culpas. “Eis o Cordeiro de Deus, eis aquele que tira o pecado do mundo.” Porém eu vos digo que grande mal houvera Cristo de trazer à humanidade se viera para tirar os pecados do mundo. Porque já as más acções não levariam ninguém ao Inferno, nem por míngua das boas se não iria ao Céu. Vedes mais desconcerto do que se assim fosse? Porque é tão desgraçada a condição da alma humana que, se com grande temor não é imposta a lei, é o mesmo haver lei como não haver. Pois se com haver a lei de Deus, que tem promessas de Céu e ameaças de Inferno; e se com haver a lei humana, que tem justiças de cadeias, e de prisões, e de açoites, e de forca, e de muitos outros e variados tormentos, não há bondade nos homens ou se não toleram uns aos outros, que seria do mundo sem justiça divina nem lei humana? E se é certo que desta pode fugir o criminoso, à de Deus jamais nunca há-de fugir. Porém não falta quem viva como se, por não ver Deus enquanto faz o mal, não fosse visto por Ele. Néscios somos, que tão ligeiramente levamos as coisas desta vida, com risco de tão pesadamente sofrermos as da outra. E isto que uma é breve, e logo se acaba; e a outra é eterna, e nunca finda.


Mas será que Cristo não tira ao mundo os pecados, tal como disse S. João Baptista? Ora o santo profeta, inspirado por Deus, certamente não se enganou. Porém há uma condição para que Cristo perdoe os nossos pecados, e assim no-los tire da alma, e do mundo porque dela os tira. “Remittuntur ei peccata multa, quoniam dilexit multum.” Muitos pecados lhe são perdoados, disse Cristo da mulher que Lhe lavou os pés em casa do fariseu, porque muito amou. E este é o preço por que Cristo tira o pecado do mundo, que o não faz somente pelo seu sangue senão que nos pede também a nossa parte, que é o amor. Porém outra condição há para que Deus perdoe os pecados dos homens. Mas não de todos, senão de alguns. “Pater, dimitte illis; nom enim sciunt quid faciunt.” Já moribundo estava o Cordeiro Divino quando pediu ao Pai que perdoasse aqueles que O matavam, porque não sabiam o que faziam. Ergo, Deus não perdoa de qualquer modo, senão que o faz por duas razões: ou por amor ou por nescidade. Porque néscio não é mais nem é menos do que aquele que não sabe. “Nesciat sinistra tua quid fasciat dextera.” Vedes? Não saiba a tua esquerda o que faz a direita. Mas se aqui se louva que tão caladamente se faça o bem que nem saiba a mão esquerda o que a direita faz, não saber as coisas de Deus só pode ser louvado pelo Demónio. Será justo, pois, que aqueles que não quiseram saber de Deus enquanto não podiam vê-Lo, como se não lhes bastasse ver Cristo em cada um dos irmãos, O vejam quando já sabem que é isso a felicidade eterna? Certamente que não, irmãos. Tratai pois de saber quanto podeis e de amar como deveis. E assim vos não há-de consumir o temor do Inferno nesta vida nem o de não ver Deus na eternidade. Que esta cegueira, ou frígida ausência, é o único fogo que há no Inferno, e não outro.


Daniel de Sá