sábado, 12 de junho de 2010

Armani


A foto é da minha autoria e os pés que calçam estes sapatos são de Tolentino Mendonça (Feira do Livro do Porto)

Há alguns anos disseram-me que certo monge meu conhecido calça Armani, fiquei confusa pensando nas sandálias do tal Pescador, no voto de pobreza e pensei que de facto a árvore não pode fazer a floresta, pois se fizesse nada faria sentido. Hoje li este poema. Quem o escreveu, Tolentino Mendonça, não calça Armani. A floresta que me acolhe calça sandálias, sapatos vulgares, coçados. Assim, sim, tudo faz sentido.


O SILÊNCIO
Regressamos a uma terra misteriosa
trazemos uma ferida
e o corpo ferido
imprevistamente nos volta
para margens mais remotas


Giorgio Armani tinha declarado
àquele jornal inglês: «o luxo desagrada-me,
é anti-democrático.
Quero agora homenagear os operários de todo o mundo»
Eu só pensava em São João da Cruz
enquanto ouvia pela enésima vez:
«a moda substituiu o luxo
pela elegância»


João da Cruz fala de coroas,
resplendores, casulas
véus de seda, relicários de ouro e
diamantes


para lá do jogo das nossas defesas
qualquer coisa interior
a intensa solidão das tempestades
os campos alagados,
os sítios sem resposta


o teu silêncio, ó Deus, altera por completo os espaços


(De A estrada branca)