segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A ousadia da diferença num novo monaquismo


A ousadia da diferença num novo monaquismo


De Cipriano Pacheco em Jornal Diário




Falar de monaquismo ou de vida monástica nos tempos que correm pode fazer lembrar realidades religioso-cristãs do passado, próprias de tempos idos, porventura desadequadas ao mundo actual.Como noutros campos acontece, também neste assunto pode que as coisas não tenham de ser exactamente assim. Um sinal disso mesmo é o que se relaciona com a experiência do mosteiro de Boze, no Norte da Itália e do qual é prior Enzo Bianchi, um monge já muito conhecido pelos seus livros e intervenções em eventos do mundo cristão e católico.
Neste caso, estamos perante uma experiência monástica nova, na medida em que se trata de um mosteiro onde vivem mulheres e homens, católicos, protestantes e ortodoxos, o que, só por si, constitui a sua notoriedade e novidade.Tendo estado há pouco tempo em Portugal, a propósito da apresentação de um seu livro – Para Uma Ética Partilhada –, numa interessante entrevista ao Pe. de 6 de Outubro, conduzida por António Marujo, Enzo Bianchi insistia num tema que lhe é claro e cheio de pertinência para a Igreja nos tempos que correm. É o tema da “diferença cristã”.
Na referida entrevista, aquele monge chega a afirmar que os cristãos têm de ser “diferentes no viver”. Uma diferença à qual está subjacente um entendimento correcto e uma prática positiva e atraente da condição cristã. É o que se deduz das suas palavras na citada entrevista: “O cristianismo pode ser verdadeiramente uma obra-prima de vida humana. O cristão deve mostrar que a vida cristã é verdadeiramente bela, boa e feliz”.
Eis uma ousada proposta que muita falta faz a uma verdadeira imagem da existência cristã. O que pode é suscitar algumas questões. Onde e como viver ou deixar passar uma tal diferença no nosso mundo? É o assunto de que se ocupa um dos livros de Enzo Bianchi já traduzido nas edições paulinas, precisamente sob o título: “A diferença cristã”.Em relação ao lugar natural de vivência daquela diferença, a resposta dada na referida obra é peremptória: “O cristão só pode viver a própria fé mergulhando na história e na sua opacidade, nas suas contradições, nas suas problemáticas, e nunca evadindo-se da história, que é o lugar da manifestação da presença de Deus”. É por imersão no mundo que a condição cristã deve ser vivida. Não há lugar para a fuga ou para o ghetto.Por sua vez, em relação ao modo de viver ou fazer passar a dita diferença, a indicação deixada não podia ser mais clara: “Nesta imersão, porém, a comunidade cristã é chamada a viver uma diferença na qualidade das relações, transformando-se naquela comunidade alternativa que, numa sociedade conotada com relações frágeis, conflituosas e de tipo consumista, exprima a possibilidade de relações gratuitas, fortes e duradouras, cimentadas na mútua aceitação e no perdão recíprocas”. E acrescenta ainda: É a “diferença cristã”, uma diferença que pede hoje às Igrejas que saibam dar forma visível e “vivível” a comunidades plasmadas pelo Evangelho”.
Tudo leva a crer que é precisamente esta diferença que está a fazer falta ao mundo de hoje e que seria um precioso contributo a ser dado pela Igreja e pelos cristãos dos nossos dias para, como também é dito na mesma obra, “a edificação de uma cidade verdadeiramente à medida do homem”.

A sabedoria necessária ao exercício do poder

Foto de Ana Loura



A sabedoria necessária ao exercício do poder




De Cipriano Pacheco em Jornal Diário



Precisamente ontem, quando encerravam as urnas das eleições autárquicas, o povo português terminava um ciclo eleitoral importante para o seu presente e para o seu próximo futuro.
Por uma curiosa coincidência, no mesmo dia, os participantes da Liturgia dominical eram confrontados com um episódio bíblico significativo da vida de Salomão, o sucessor do célebre rei David.
Salomão parece ter sido um rei sonhador. Segundo o primeiro Livro dos Reis, quando ele sobe ao trono, Deus ter-lhe-á comunicado em sonho: “Pede-me o que tu queres, que eu te darei”. Então, o jovem rei formula o seu pedido, mais ou menos nestes termos: “Dá-me um coração atento, para que eu saiba governar o teu povo e discernir o bem do mal”.
Que bela oração para todos os que exercem qualquer tipo de poder!
Aí está uma oração que podia ser adoptada por todos quantos foram, nestes últimos actos eleitorais, chamados ao exercício do poder.
Como lembrava, ontem, o Livro da Sabedoria, aquela oração terá agradado a Deus, tendo sido por Ele escolhida, como se pode ver pelas palavras colocadas na boca de Salomão: “orei e foi-me dada a inteligência. Implorei e veio até mim o espírito da sabedoria. Preferi-a aos ceptros e tronos… Com ela, me vieram todos os bens”.
É bem possível que não seja fácil governar bem um povo. Exige uma sabedoria especial, na perspectiva de Salomão. É que, o poder, seja ele qual for, não deixa de ser um lugar de tentação. A experiência das governações humanas mostra-o bem. Até o próprio Jesus Cristo foi confrontado com a tentação do poder, preferindo recusá-lo, mesmo se, agindo assim, acabou perdendo muitos adeptos, que esperavam vê-lo enveredar pelos mesmos caminhos prestigiosos da força, do poder, do sucesso ou da autoridade absoluta.
Acontece que, do ponto de vista bíblico aqui em referência, o segredo de um modo outro de exercício de poder, exige uma sabedoria diferente, tanto mais necessária, quanto os tempos não são fáceis e o factor crise pressiona. Não se trata de uma sabedoria feita de especulações ou de jogos de interesses.
O sábio, biblicamente falando, é aquele que conduz bem a sua vida, procurando encontrar respostas adaptadas aos problemas que lhe são colocados. Para um rei ou para um homem do poder, ser sábio equivale a saber governar o seu reino, o seu país ou o seu povo. Ser sábio, dir-se-ia hoje, é saber colocar o bem comum, como bem de todos, incluindo o bem dos mais diminuídos ou desprotegidos, à frente do interesse pessoal ou do bem dos mais fortes.
Mais do que procurar a conquista do poder a qualquer preço, o desafio deixado a todos os que assumem qualquer tipo de poder é o de se disporem a exercê-lo com a sabedoria capaz de os orientar para a edificação de uma sociedade mais justa e digna, onde haja lugar para todos.
Oxalá que todos os recém-eleitos se abram a uma tal sabedoria.

2009-10-12 06:00:00