segunda-feira, 22 de março de 2010

Retiro na cidade - 33


A Palavra de Deus
Assim como a chuva e a neve descem do céu, e não voltam mais para lá, senão depois de empapar a terra, de a fecundar e fazer germinar, para que dê semente ao semea¬dor e pão para comer, 11o mesmo sucede à palavra que sai da minha boca: não voltará para mim vazia, sem ter realizado a minha von¬tade e sem cumprir a sua missão. 12Sim, saireis radiantes de alegria, e sereis reconduzidos em paz à vossa casa.
Livro de Isaías, cap 55, 10-12

O silêncio que fala

«Ide anunciar a boa nova a todas as nações, e se necessário tomai a palavra!» É talvez o Evangelho da mulher adúltera (evangelho segundo São João, cap 8, vers 1-11) que inspirou essa fórmula de Francisco de Assis. Pois as acções mais marcantes neste texto situam-se não no momento do diálogo mas durante os momentos de silêncio. Sentado no chão, Jesus, encontra-se numa posição inferior em relação aos chefes religiosos. É talvez já aqui um sinal de que a humildade divina é mais forte que todos os esforços humanos. Os fariseus e os escribas chegam com uma mulher trazida como uma espécie de “objecto”, para por Jesus à prova. Para eles, não se tratava em primeiro lugar de fazer justiça ao caso daquela mulher, mas de ver a reacção de Jesus. O julgamento do caso será decisivo, pois se ele não a condena, não respeita a lei de Moisés, a Thora. Eles estão prontos a lutar, a argumentar, a discutir, eles estão prontos a tudo, excepto ao gesto que irá fazer o Nazareno. Em vez de se pôr a discutir, ele baixa a cabeça e põe-se a escrever com o dedo na terra. Ele simplesmente não responde. Qual deverá ter sido a reacção dos fariseus? Frustração, incerteza, dúvida? Eis em todo o caso uma primeira palavra do Senhor anunciada sem a pronunciar. Cristo prepara os seus interlocutores. Ele espera. Depois lança a frase chave da nossa leitura, a frase chave da boa-nova; «Aquele de entre vós que não pecou lhe atire a primeira pedra…» E mais uma vez, o dedo, a terra, o abaixamento, o silêncio.
Os fariseus e os escribas encontram-se face-a-face com eles próprios. Já não é uma questão da lei e de autoridades exteriores. Jesus dirige-se aos corações. "Cor ad cor loquitur", dizia Santo Agostinho: o coração fala ao coração. Jesus conduz os acusadores a interrogarem-se a si próprias: Que homem está sem pecado diante de Deus?
Quem fica completamente sem faltas diante do Senhor? Jesus escreve com o seu dedo na terra. «Não são palavras nem discursos cujo sentido se não perceba.» diz o salmo 19, «5O seu eco ressoou por toda a terra, e a sua palavra, até aos confins do mundo». Sim até aos confins do mundo e até ao coração do homem! O silêncio reina. A revolta, as discussões, as pedras, tudo cai literalmente por terra. Os fariseus vão-se embora – sem dúvida marcados por este silêncio eloquente. A mulher fica no centro, diante de Cristo. Ela espera o verdadeiro julgamento. O justo diante a pecadora; «a misericórdia diante da miséria» diz Santo Agostinho. Que diz então Jesus sozinho com a mulher? Existe de facto um julgamento, mas não é um julgamento segundo a carne, pois não é a justiça dos homens que opera. Deus, sendo «ternura e piedade, lento na cólera e cheio de amor» mostra-nos através dos actos do Filho, um julgamento extraordinário. A mulher estava ali como culpada; ela tornara-se a primeira testemunha da misericórdia de Deus. No antigo testamento, no livro de Daniel (no capítulo 5), lemos a história do Rei Baltazar que pecou contra o Senhor por ter bebido pelos cálices tirados do templo de Jerusalém. Durante um festim, os dedos de uma mão aparecem e começam a escrever na parede, dizendo que o Rei foi condenado à morte. Os dedos escrevem e o pecador é condenado! Mas neste texto quando Jesus escreve com o Seu dedo no chão é o pecado que é condenado. O próprio pecado é condenado, então o homem, ou aqui a mulher, é libertado e absolvido. É a condenação inaudita que nos é anunciada, é essa a boa nova dada gratuitamente. Meditemos na misericórdia de Deus durante esta semana escutando a Sua Palavra que é dita em silêncio…

2 comentários:

Anónimo disse...

Bonito espaço. Parabens

Ana Loura disse...

Caro Irmão do Seminário do Fundão, na impossibilidade de agradecer a sua visita na sua "casa", faço-o aqui. Temos de aproveitar todas as janelas que a vida nos dá para chegarmos aos confins da terra. Sou apenas aprendiz e na lufa-lufa da minha vida tento fazer alguma coisa. Neste momento traduzo as reflexões dos Monges de Lille e coloco em dois blogs, quem sabe alguém lê. Para além disse enquanto traduzo reflito.

Abraço fraterno
Ana