quarta-feira, 31 de março de 2010

Retiro na cidade - 40


Foto tirada de: buscandosonhos.com.br

Foto tirada de: buscandosonhos.com.br

A Palavra de Deus
Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste
«Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.»

Evangelhos segundo São Marcos, cap 15, vers 34 e segundo S. Lucas, Cap 23, Vers 46

Um salvamento bem sucedido

Hoje, Domingo de Ramos, fazemos memória da entrada de Jesus em Jerusalém, onde o espera uma multidão acenando alegremente com ramos de todos os tipos. Mas este triunfo fácil não é swenão o prenúncio de um triunfo infinitamente mais difícil do qual gostaria de vos mostrar que salva a humanidade inteira: o triunfo da cruz.

Na minha juventude, foi-me dado assistir a dois salvamentos. O primeiro teve êxito porque um mergulhador muito treinado pode aproximar-se a tempo do camarada que se afogava. Mas o segundo falhou. Foi em 1941. Sobre o glaciar de Vignemale, Alain tinha caído no fundo de uma fenda. Incólume, ele estava simplesmente preso entre duas paredes de gelo, mas a uma tal profundidade que não tínhamos corda suficientemente comprida para descer até ele. Apenas pudemos fazê-lo depois de termos ido buscar socorro a Gavarnie. Eles chegaram demasiadamente tarde. O frio tinha-o matado.

Repensando mais tarde nestes dois salvamentos, compreendi que se a nossa redenção é comparável a um salvamento bem sucedido, é precisamente porque no seu amor por nós, o Filho de Deus pôde descer a tempo ao mais profundo do nosso sofrimento humano.
Sabemo-lo bem: quando um grande sofrimento entra nas nossas vidas, nós colocamo-nos perguntas lancinantes: “Porquê? Porquê eu? porquê agora?” E o crente não é poupado por estas perguntas que apunhalam o coração. Podemos mesmo dizer que para ele a questão é ainda mais grave: se Deus existe, e se é bom, e se Ele é como dizemos todo-poderoso, então porquê? São precisamente todos estes “porquês” que estão como que agrupados no “porquê” do Filho de Deus feito homem: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?».
Mas Jesus não se fica por aí. Não se contenta por fazer seus todos os nossos “porquês”. Tendo-os acolhido fraternalmente no seu, ele opõe-lhes com tanta doçura como firmeza, a fé perfeita que ele forjou para nós no cadinho da sua cruz e que se manifesta no segundo grito: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.»
É preciso, com efeito, saber que se Jesus pôde passar do primeiro grito ao segundo, da sensação de ser abandonado pelo seu Pai, à alegria da criança que se lança nos seus braços, é ao preço de um terrível combate transformando em triunfo a primeira vitória já alcançada no deserto. «Se és filho de Deus, ordena a estas pedras que se transformem em pão!» «Se és o filho de Deus, desce, então, da tua cruz!» Ele tem a certeza de que Jesus o podia fazer, pois não seria um milagre mais espantoso do que a ressurreição de Lázaro. É igualmente certo que ele foi teve a tentação de fazê-lo, o instrumento do Tentador não sendo outro senão o terrível sofrimento e medo da morte. Mas, Filho de Deus, ele tinha um outro recurso, o que, nas suas zombarias, os sumo sacerdotes e os escribas lhe recordavam sem quererem: : «Confiou em Deus, pois disse: ‘Eu sou Filho de Deus; Ele que o livre agora, se se interessa por ele.» Ora, é forte (com a força) desta confiança, dessa fé, que, tendo enfrentado o Tentador até a última gota do seu sangue, ele provocou (suscitou?) pela sua morte a confissão do centurião romano: «Verdadeiramente, este homem era filho de Deus». Para o completo entendimento da cruz como vitória sobre o Tentador, devemos compreender que a impotência do Crucificado, ainda sendo tão dramática como a dos seus companheiros de suplício, difere delas num ponto essencial. Eles podem apenas sofrer, Ele apenas sofre renunciando a «salvar-se a si mesmo» e, portanto, «entregando-se» de forma contínua. E se Ele o faz, é, em parte, para não renegar à sua confiança filial e por outro lado, para não abandonar à sua triste sorte os homens que Ele fez seus irmãos. Esta recusa obstinada do milagre é portanto a vitória decisiva do duplo e único amor de Deus e do próximo, já que um milagre teria sido a vitória absoluta do “pecado".

Lemos nas Epístolas aos Hebreus que se Jesus é capaz se compadecer das nossas fraquezas, é porque ultrapassou sem pecar tentações mais terríveis do que as nossas. Dito isto, o autor tira disso a conclusão seguinte: «Aproximai-vos então com segurança do trono da graça (que é a Cruz), e aí vós aí encontrareis não só compaixão, mas ainda uma ajuda perfeitamente adequada.»

Ora para vos aproximardes desta cruz, acrescenta, ele, começai por comê-la com os olhos, sim, “passai pela prova que vos é proposta com os olhos fixos em Jesus" que, aceitando a sua cruz, forjou para vós uma fé absolutamente perfeita. E ao contemplar esta fé, dizei-vos que “vós ainda não resististes até ao sangue na luta contra o Pecado”. Confesso que quando me sinto ameaçado pelo desencorajamento, acontece-me muitas vezes salvar-me graças ao maravilhoso remédio que assim me é proposto. E pensando no festim que nos espera no Reino de Deus, acrescento que prolongando até à comunhão essa manducação com os olhos, consigo por vezes a comer a hóstia como um “gourmet” totalmente satisfeito.

A sua fé permitiu ao Filho de Deus ultrapassar a sensação de ser abandonado pelo seu Pai para reencontrar a alegria da criança que se lança nos seus braços. Mas desta vez, Jesus forjou esta fé ao preço do seu sangue só para transfundi-lo para todos os seus “irmãos”, dando-lhes assim o meio para que eles também consigam ultrapassar essa sensação de abandono.

Nota importante, esta tradução foi substancialmente melhorada por o meu amigo Marc A.
Traduzido de http://www.retraitedanslaville.org/

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